quarta-feira, 18 de maio de 2011

O Imaginário



Pessoas são problemáticas.

— Você é real? Pergunta mais ridícula... Responder a isso não é nada simples. Na verdade, eu nem sei a resposta. E também não quero saber. Se alguém souber, não me diga. Às vezes gosto de pitadas de ignorância na minha comida.

— Se já incomoda pensar que certos fatos são coisa da nossa cabeça, pense só o que é cogitar SER a coisa da cabeça de outrem.

— Chega, vou abrir os olhos — pensou o Imaginário. — Pronto. Agora, não escuto mais nada. Ou quase nada. Não posso cheirar, falar ou sentir o toque físico. Bem pouco. Em compensação, enxergo melhor do que qualquer aparelho jamais inventado.

Dos cinco sentidos, o Imaginário só podia usar apenas um de cada vez com perfeição, enquanto os outros permaneceriam defeituosos até que ele trocasse.

— Agora — continuou —, fecho os olhos e abro os ouvidos. Certo. Posso ouvir o que ninguém mais ouve, a qualquer distância, penso eu.

— E se eu quiser gritar?  

O Imaginário fechou os ouvidos e escancarou a boca:  

— AAAAAAAAAAH!!!

Abriu os olhos depressa. Olhou em volta. Ninguém. Ainda podia ouvir o próprio eco, mil vezes mais potente do que qualquer som. Mas ninguém ouviria. Não é muita vantagem ter habilidades especiais se você não tem ninguém com quem compartilhá-las.

As ruas estavam todas vazias, cheias de prédios vazios com vários apartamentos vazios. Uma cidade vazia. Em um mundo completamente vazio.

— Cansei.

O Imaginário estalou os dedos e mudou de mundo. Esse era diferente. Ruas apinhadas de carros, prédios e pessoas. Desse ele gostava. Os mundos vazios só serviam quando queria ficar sozinho, pra encontrar alguma paz. Mas quando a paz também começava a dar nos nervos, aí ele procurava um mundo cheio de Pessoas. Pessoas para analisar, pessoas para influenciar, ou até para fazer companhia. Sei lá, de repente contar uma história interessante. Se você soubesse como entreter o Imaginário, ele poderia te oferecer muitas recompensas. Desde que você não tivesse medo. Assim, o Imaginário sempre tinha o que fazer da vida. Ou o que fazer da vida dos outros.  A graça definitivamente estava nas pessoas.

Pessoas são essencialmente problemáticas.

Transformar a realidade era o seu passatempo predileto. Principalmente se ele encontrava alguém que topasse jogar. A capacidade de transformação do Imaginário crescia à medida que as pessoas imaginavam.

Mas, sempre existe a escolha. Sempre existiu e para sempre existirá.

Para o Imaginário não existiam escolhas certas e erradas. E era isso que as pessoas não compreendiam — ou fingiam não compreender.

Pessoas são perigosamente problemáticas.

Ao invés de escolher, as pessoas preferiam questionar, perguntar, querer saber, quando o jogo era simplesmente imaginar.

— Você é real?

— Isso é mesmo possível?

— Estou sonhando?

Isso era de doer o juízo porque, apesar de serem perguntas cuja possibilidade de resposta é SIM ou NÃO, não era tão fácil assim. Nunca era. Até porque ele jamais admitiu saber qualquer dessas respostas.  

O Imaginário achava até divertido ver pessoas com várias CERTEZAS sobre as coisas da VIDA. Elas esqueciam que, no fundo, elas não SABEM, apenas ESCOLHERAM pensar que isso ou aquilo era dessa ou daquela maneira.

Há muito tempo o Imaginário desistira de tentar descobrir se o que ele via, ouvia, tocava ou sentia era real. Ou se ele mesmo era fruto de uma cabeça que também pensava ser real, mas que na verdade também era fruto de outra cabeça que também pensava que pensava que pensava...

Nem sempre SIM ou NÃO resolveria.

— E o que é a porra da realidade? — pensava o Imaginário. — Pergunta mais ridícula...

3 comentários:

  1. Grande Leo,

    Muito boa a sua iniciativa de criar um blog e, já no desenho nota-se que você tem MUITO a falar, já que a linguagem não se limita a palavras.

    Seguindo suas linhas, logo percebe-se que você escreve tão bem quanto desenha. Brincar com o imaginário não é para qualquer um, mas você o fez com grande domínio e clareza.

    O mundo seria bem melhor se dialogássemos mais com o imaginário, pois o poder que ele tem é uma das poucas coisas ilimitadas das quais temos notícia.

    Infelizmente a maioria de nós prefere deixá-lo falando sozinho dentro de nós e fazendo do poder dele o que bem entender.

    Mantenha vivo o diálogo, pois o seu imaginário já começamos a notar do que é capaz.

    Grande abraço,

    Ângelo Pinheiro.



    P.S: Lembre do que te falei sobre creditar e explicar as suas imagens, pois elas são uma nau muito preciosa para se deixar à deriva. rsrs

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  2. Obrigado pelas palavras Ângelo, fico feliz que tenha gostado. Realmente, creio que as pessoas tenham muito a ganhar se derem (nem que seja um pouquinho de) espaço para o imaginário contribuir com o que ele tem.

    P.S.: Seguirei o seu conselho. Verei a melhor forma de tornar o texto associado às imagens no imaginário dos leitores rsrsrs.

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  3. É Léo, enfim, você deixou o Imaginário falar. Um viva a isso! E um viva a todos os Imaginários que são ouvidos.

    Permitir que o Imaginário fale através de você e da sua arte é um presente para nós leitores e apreciadores de suas imagens.

    Que o Imaginário nunca se cale!

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