sábado, 17 de maio de 2014

Águas Profundas



— Ali! 

— Cadê?

— Venha pro lado de cá, dá para ver melhor.

— Que nada, é tudo a mesma coisa.

— Mais três... quatro agora... Venha logo!

Demian, a contragosto, virou o corpo para a outra extremidade do barquinho e posicionou-se ao lado do Imaginário, seu gato.

— Ainda não vejo nada — reclamou o rapaz.

— Espere escurecer um pouco, talvez fique mais fácil visualizar.

Frustrado, Demian respirou fundo e deu mais uma olhada em sua volta. O sol descia sobre a linha do horizonte azul. Água calma, em todas as direções. E nenhum sinal de gente. Era ele dentro do barquinho, mais ou menos do tamanho de uma cama de solteiro comum, e mais ninguém, além do Imaginário, que havia cismado com a ideia de lhe mostrar sei lá o quê.

— Aliás, como é que pode, vagalume debaixo d’água? — Questionou, enfim, sem paciência.

— Como é que pode, eu falando com você? — rebateu o Imaginário, encarando Demian com seus olhos luminosos.

— Ah, então é isso. Enlouqueci! Deve ter sido a comida, o sol, essa água azul que não termina nunca. Agora dei para falar com um gato. Pior! Ele está me convencendo de que existem vagalumes no fundo do mar...

— Então, você acredita?

— Não coloque palavras em minha boca. E pare de falar, preciso arranjar um jeito de sair daqui.

— Mergulha.

— Lá embaixo? — Espantou-se.

— Por que não? — a descontração do gato fazia a coisa toda parecer ridícula de tão simples.

Demian pensou em retrucar o Imaginário, porém, por mais surreal que pudesse ser, aquilo até que tinha certa lógica. O sol já era apenas um borrão laranja espalhado no céu. A água estava cada vez mais escura. Isso fez o corpo todo do rapaz se arrepiar somente com a ideia de entrar ali.

— Não terei onde pisar.

— Você não precisa pisar em nada.

— Mas como eu...

— Você pensa demais — cortou o Imaginário — É mais um daqueles que não sabem como, por quê ou para onde. São dominados pelo medo de se perder lá no fundo. Dos monstros e tempestades. Do quê ou quem vão encontrar. Medo de ser e de não ser. Na verdade, o medo de mergulhar é mais comum do que você imagina. Tem a ver com o medo de descobrir. Para saber a direção na qual se quer ir, antes é preciso mergulhar. Se você ficar aqui no barquinho, não vai ver nada e vai continuar à deriva.

Demian ouvia o discurso motivacional do gato sem se dar conta de que já estava debruçado no barquinho com os olhos fixos na água, que refletia o céu já escuro. Pelo espelho d’água, percebeu a presença de uma estrela. E outra. Mais uma ali, duas aqui. Piscavam... E se moviam!    

— Os vagalumes! — Exclamou Demian, quase derrubando o gato na água.

— Você não ouviu nada do...  O que você disse?

— Eu estou vendo! — O rapaz vibrava a cada piscadela que avistava — Como é possível? Tenho que olhar mais de perto.

— Agora você entendeu — Sorriu o Imaginário — Vá. Esperarei aqui.

— Você me ajuda?

— Já ajudei. Desliguei o seu celular.

Demian colocou primeiro o rosto dentro d’água e abriu os olhos. Parecia que o céu estava de cabeça para baixo. Centenas de milhares de estrelas piscando, rodopiando. O rapaz mal podia segurar a alegria. Fascinado, foi deslizando o corpo inteiro para dentro daquele universo que lhe amedrontava apenas por ser desconhecido. Vagalumes, árvores, pássaros. E ruas, carros, casas. Então, do mesmo jeito que ele deixou de se perguntar como era possível conversar com um gato, Demian parou de julgar o que achava que deveria encontrar lá no fundo e aproveitou a beleza do que antes chamara de loucura. E foi mais fundo. E mais fundo. Tão fundo que chegou à superfície.

— Tem uma borboleta no seu nariz. E o barco está cheio delas, olha só!

— Devem ter vindo comigo, de lá do fundo — respondeu Demian radiante.

Os dois riram daquele momento de medo que merecia uma fotografia.

— E então, para onde? — disse o gato Imaginário.

— Lá — Demian apontava para uma imensa bola amarela que surgira na linha do horizonte azul. — Vamos!

— Para a lua?


— Por que não?