—
Ali!
—
Cadê?
—
Venha pro lado de cá, dá para ver melhor.
—
Que nada, é tudo a mesma coisa.
—
Mais três... quatro agora... Venha logo!
Demian,
a contragosto, virou o corpo para a outra extremidade do barquinho e posicionou-se
ao lado do Imaginário, seu gato.
—
Ainda não vejo nada — reclamou o rapaz.
—
Espere escurecer um pouco, talvez fique mais fácil visualizar.
Frustrado,
Demian respirou fundo e deu mais uma olhada em sua volta. O sol descia sobre a
linha do horizonte azul. Água calma, em todas as direções. E nenhum sinal de
gente. Era ele dentro do barquinho, mais ou menos do tamanho de uma cama de
solteiro comum, e mais ninguém, além do Imaginário, que havia cismado com a
ideia de lhe mostrar sei lá o quê.
— Aliás,
como é que pode, vagalume debaixo d’água? — Questionou, enfim, sem paciência.
—
Como é que pode, eu falando com você? — rebateu o Imaginário, encarando Demian
com seus olhos luminosos.
— Ah, então é isso. Enlouqueci! Deve ter sido a comida, o
sol, essa água azul que não termina nunca. Agora dei para falar com um gato.
Pior! Ele está me convencendo de que existem vagalumes no fundo do mar...
— Então, você acredita?
— Não coloque palavras em minha boca. E pare de falar, preciso
arranjar um jeito de sair daqui.
— Mergulha.
— Lá embaixo? — Espantou-se.
— Por que não? — a descontração do gato fazia a coisa toda
parecer ridícula de tão simples.
Demian pensou em retrucar o Imaginário, porém, por mais
surreal que pudesse ser, aquilo até que tinha certa lógica. O sol já era apenas
um borrão laranja espalhado no céu. A água estava cada vez mais escura. Isso
fez o corpo todo do rapaz se arrepiar somente com a ideia de entrar ali.
— Não terei onde pisar.
— Você não precisa pisar em nada.
— Mas como eu...
— Você pensa demais — cortou o Imaginário — É mais um
daqueles que não sabem como, por quê ou para onde. São dominados pelo medo de
se perder lá no fundo. Dos monstros e tempestades. Do quê ou quem vão
encontrar. Medo de ser e de não ser. Na verdade, o medo de mergulhar é mais
comum do que você imagina. Tem a ver com o medo de descobrir. Para saber a
direção na qual se quer ir, antes é preciso mergulhar. Se você ficar aqui no
barquinho, não vai ver nada e vai continuar à deriva.
Demian ouvia o discurso motivacional do gato sem se dar
conta de que já estava debruçado no barquinho com os olhos fixos na água, que
refletia o céu já escuro. Pelo espelho d’água, percebeu a presença de uma
estrela. E outra. Mais uma ali, duas aqui. Piscavam... E se moviam!
— Os vagalumes! — Exclamou Demian, quase derrubando o gato
na água.
— Você não ouviu nada do...
O que você disse?
— Eu estou vendo! — O rapaz vibrava a cada piscadela que
avistava — Como é possível? Tenho que olhar mais de perto.
— Agora você entendeu — Sorriu o Imaginário — Vá. Esperarei
aqui.
— Você me ajuda?
— Já ajudei. Desliguei o seu celular.
Demian colocou primeiro o rosto dentro d’água e abriu os
olhos. Parecia que o céu estava de cabeça para baixo. Centenas de milhares de
estrelas piscando, rodopiando. O rapaz mal podia segurar a alegria. Fascinado, foi
deslizando o corpo inteiro para dentro daquele universo que lhe amedrontava
apenas por ser desconhecido. Vagalumes, árvores, pássaros. E ruas, carros,
casas. Então, do mesmo jeito que ele deixou de se perguntar como era possível
conversar com um gato, Demian parou de julgar o que achava que deveria
encontrar lá no fundo e aproveitou a beleza do que antes chamara de loucura. E
foi mais fundo. E mais fundo. Tão fundo que chegou à superfície.
— Tem uma borboleta no seu nariz. E o barco está cheio
delas, olha só!
— Devem ter vindo comigo, de lá do fundo — respondeu Demian
radiante.
Os dois riram daquele momento de medo que merecia uma
fotografia.
— E então, para onde? — disse o gato Imaginário.
— Lá — Demian apontava para uma imensa bola amarela que
surgira na linha do horizonte azul. — Vamos!
— Para a lua?
— Por que não?
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