domingo, 13 de janeiro de 2013

Segredo




O Imaginário percebeu a coisa toda desde o início.

Os dois se viram de longe, mas fingiram que nada havia acontecido. O Rapaz e a Moça. Eles estavam bem ali, no meio da multidão. Amigos, parentes, colegas, conhecidos e desconhecidos. Todos naquele mesmo lugar. Eles se evitavam ao máximo, já que entendiam que a força do encontro poderia causar um evento de consequências incontroláveis. E precisavam, mais do que nunca, daquilo que não queriam ter naquele momento: controle.

A distância ajudava a aliviar a tensão entre eles, que mais se assemelhava a uma corrente elétrica, constante, firme, ansiando por um condutor.

O que fazer?

Ficar longe

Mas como?

Melhor afastar mais

Será que é fácil?

Não sei. E não quero saber.

Apesar de estarem em extremos opostos, tinham plena certeza de que pensavam a mesma coisa. Situação engraçada, essa. Não se olhavam, porém, sabiam perfeitamente onde cada um estava. Conheciam os passos um do outro. Moviam-se através do local, por entre as pessoas, fazendo um esforço gigantesco para não se esbarrarem. Quem olhasse apenas para um deles veria nada mais que uma pessoa comum conversando, bebendo, rindo e admirando o ambiente. Entretanto, o primeiro que tivesse a esperteza ou a sorte de observar os dois... Àquele sim, tudo seria revelado. Era como se dançassem à distância. O Imaginário era o único que via. Havia ali um campo magnético quase visível. Pouco menos tangível. Perigoso. Sedutoramente perigoso. O Imaginário gostava desse perigo. Era o que lhe deixava vivo. 

Obra do Imaginário? Ninguém saberá. Fato é que o inevitável aconteceu: Rapaz e Moça se acharam frente a frente. Perto. Perto demais. A tensão tornou-se rapidamente insuportável. E então foi possível ouvir algo que se parecia com um sinal, de frequência tão alta que poderia ser perdido à menor distração. Era música. E também foi possível sentir um perfume muito suave para os desavisados, entorpecente para os atentos.

Eles estavam perto demais.

Ainda assim havia uma saída. Tudo que precisavam fazer era cada um virar para um lado e seguir calmamente, aumentando de novo a distância e reduzindo a tensão. Porém, a música já ia alta, o perfume já enfraquecia a capacidade de raciocínio. Até que, em meio a toda aquela atmosfera inflamável, eles resolveram acender o fósforo:

Olharam-se no olhos.

Em uma fração de segundo, Rapaz e Moça já corriam de mãos dadas para fora daquele lugar, atropelando, se batendo, derrubando... fugindo. Correram por ruas e becos, subiram e desceram escadas, pularam muros e janelas. E chegaram. A brisa soprava gentil enquanto o sol se punha, dourando a água do mar cristalino e sem ondas. Não havia mais ninguém em qualquer direção que se quisesse olhar. Rapaz se adiantou:

— Pode vir?

— Tudo bem. Posso pisar aqui.

Moça deu um passo à frente e enterrou devagar os dedos dos pés na areia branca. Os dois caminharam até a beira do mar até sentir os tornozelos na água fresca. Moça sorriu diante da hesitação de Rapaz.

— Agora sou eu quem te convida a entrar.

— Como faço isso?

— Confie em mim.

Rapaz segurou firme a mão de Moça e a seguiu até sentirem a água acariciando o peito. Nada mais importava. Não precisavam se esconder ali. Toda aquela energia domada poderia enfim ganhar merecida liberdade. E foi exatamente o que se deu. Seus lábios enfim se encontraram como há muito ambicionavam. Um novo encontro de velhos conhecidos. Lábios que conversavam com propriedade. Que se sabiam por inteiro. A água não era capaz de refrear o calor daqueles corpos que tanto se compreendiam, mesmo sem compreender o porquê. Dançavam ao som daquela música que se recusava a permanecer apenas nos ouvidos. Eles sentiam nos poros o ardor de cada nota musical ao passo que o perfume de suas peles aumentava sua embriaguez. O atrito de forças tão complementares desafiava a respiração, que tentava a todo custo acompanhar os suspiros profundos, insistentes em se fazer ouvir. Não havia pessoas, não havia julgamento, não havia roupa.

Já era noite. Nem perceberam quando chegaram à areia, rolando, ainda ligados, se alimentando um do outro como vampiros, sorvendo cada gota de desejo. Devorando cada fio de vontade. Também não se deram conta de quando pararam para observar as estrelas. Ainda deitados. Ainda unidos. A eletricidade dava voltas por todas as células, fazendo os corpos tremerem no compasso de batidas violentas daqueles corações que pulsavam em uníssono.

A luz da lua era como tinta sobre eles. Ficaram ali, se olhando nos olhos, enxergando o que o outro revelava. As mãos não pararam nem por um instante de acariciar, de convidar. De confiar.

E dormiram

Quando acordaram ainda estavam se olhando. Porém, não estavam na praia. Se achavam de volta ao local onde tudo começou. Amigos, parentes, colegas, conhecidos e desconhecidos. Todos naquele mesmo lugar. Não havia passado um único segundo sequer desde que se olharam nos olhos. E naquela fração de segundo, em silêncio, eles sabiam que os dois perguntavam a mesma coisa:

Aconteceu?

Tivemos o mesmo sonho?

E eles sabiam a resposta. Os mais atentos seriam capazes de vislumbrar o esboço, o fantasma de um sorriso cúmplice, no cantinho da boca. Quase como uma piscadela. Discreto demais para os desavisados.

E assim, dentro daquele fragmento de olhar, eles souberam que tudo estava combinado. Com todas as linhas.

Quem viu?

Somente o Imaginário, que não conseguia segurar a gargalhada.

E por que ele ria?

Porque ele sabe guardar segredos.